SISTEMA DIGESTÓRIO – TUBO DIGESTÓRIO
O desenvolvimento do sistema digestório começa no início da quarta semana com a formação do intestino primitivo, a partir da incorporação do endoderma e de parte da vesícula umbilical (saco vitelino) pelas pregas cefálica, laterais e caudal durante o dobramento do embrião (CAP. 5 – FIG. 2 e 4). O endoderma do intestino primitivo origina a maior parte do epitélio e das glândulas do trato digestivo, enquanto que o epitélio da extremidade cefálica (cranial) é derivado do ectoderma do estomodeu (futura cavidade bucal) e o epitélio da extremidade caudal deriva do ectoderma do proctodeu (futuro canal anal). O intestino primitivo é limitado na sua extremidade cefálica (cranial) pela membrana bucofaríngea e na sua extremidade caudal pela membrana cloacal. Os tecidos muscular, conjuntivo e as outras camadas da parede do trato digestivo são derivados do mesênquima esplâncnico que circunda o intestino primitivo (Fig. 1).
Para fins de descrição, o intestino primitivo é dividido em três partes:
- Intestino anterior
- Intestino médio
- Intestino posterior
Estudos moleculares sugerem que genes Hox e ParaHox, bem como sinais Shh, regulam a diferenciação regional do intestino primitivo para formar as suas diferentes porções.
INTESTINO ANTERIOR
Os derivados do intestino anterior são:
- A faringe primitiva e seus derivados;
- O sistema respiratório inferior;
- O esôfago e o estômago;
- O duodeno, proximal à abertura do dueto biliar;
- O fígado, o aparelho biliar (ductos hepáticos, vesícula biliar e ducto biliar) e o pâncreas.
Todos esses derivados do intestino anterior, exceto a faringe, o trato respiratório e a maior parte do esôfago, são vascularizados pelo tronco celíaco, a artéria do intestino anterior.
A faringe primitiva e seus derivados, assim como o sistema respiratório (Capítulo 8) são abordados em capítulos distintos, portanto começaremos o intestino primitivo pelo esôfago.
Desenvolvimento do Esôfago
O esôfago começa a se desenvolver a partir do intestino anterior imediatamente caudal à faringe. A separação da traquéia do esôfago se dá pelo septo traqueoesofágico (Cap. 8 – Fig. 2). Inicialmente, o esôfago é curto, porém ele irá se alongar rapidamente, graças, principalmente, ao crescimento e à descida do coração e dos pulmões. O esôfago alcança o seu comprimento final relativo durante a sétima semana. Seu epitélio e suas glândulas são derivados do endoderma (Fig. 1). O epitélio prolifera e oblitera, parcial ou completamente, a luz; entretanto, a recanalização do esôfago normalmente ocorre no final do período embrionário. O músculo estriado que forma a camada muscular externa do terço superior do esôfago é derivado do mesênquima do 4º ao 6º arco faríngeo. O músculo liso, principalmente no terço inferior do esôfago, se desenvolve do mesênquima esplâncnico circunjacente.
Desenvolvimento do Estômago
Em torno da metade da quarta semana, uma ligeira dilatação no intestino anterior, até o momento tubular, indica o local do primórdio do estômago. No início, ele aparece como um alargamento fusiforme da porção caudal do intestino anterior e está orientado no plano mediano. Esse primórdio logo se expande e se amplia dorsoventralmente. Durante as próximas duas semanas, a face dorsal do estômago cresce mais rapidamente do que a sua face ventral; isso demarca a curvatura maior e a curvatura menor do estômago (Fig. 2 – C).
Durante o seu desenvolvimento, o estômago sofre alterações na sua posição, e estas alterações são mais facilmente entendidas quando explicadas separadamente em dois eixos – eixo longitudinal e eixo anteroposterior.
Eixo longitudinal (Fig. 2 – A e B)
O estômago gira 90° no sentido horário ao redor de seu eixo longitudinal, fazendo com que o lado esquerdo original se torna a superfície ventral (para frente), e o lado direito se torna a superfície dorsal (para trás). Essa rotação e o crescimento do órgão explicam porque o nervo vago esquerdo supre a sua parede anterior e o nervo vago direito inerva a sua parede posterior.
Eixo anteroposterior (Fig. 3)
Com a progressão do desenvolvimento, o estômago gira ao redor do eixo anteroposterior, fazendo com que a sua região cefálica (cranial ou cardíaca) se mova para a esquerda e ligeiramente para baixo, e sua região caudal (pilórica), consequentemente, se mova para a direita e para cima.
Após essas mudanças de posição, o estômago assume a sua posição final, com o seu eixo indo da porção esquerda superior para a direita inferior.
Desenvolvimento do Duodeno
O duodeno se desenvolve a partir da porção caudal do intestino anterior, da porção cranial do intestino médio e do mesênquima esplâncnico associado ao endoderma dessas porções do intestino primitivo.
A junção das duas porções do duodeno situa-se logo após a origem do ducto biliar. O duodeno em desenvolvimento cresce rapidamente, formando uma alça em forma de C que se projeta ventralmente. A medida que o estômago rotaciona, aliado ao rápido crescimento da cabeça do pâncreas, a alça duodenal gira para a direita e vai se localizar retroperitonealmente (externa ao peritônio). Por se originar dos intestinos anterior e médio, o duodeno é suprido por ramos das artérias celíaca e mesentérica superior, artérias que vascularizam essas porções do intestino primitivo. Durante a quinta e a sexta semanas, a luz do duodeno se torna progressivamente menor e é, temporariamente, obliterada, devido à proliferação de suas células epiteliais, recanalizando normalmente no final do período embrionário. Nessa ocasião, a maior parte do mesentério ventral já desapareceu (Fig. 4).
INTESTINO MÉDIO
Os derivados do intestino médio são:
- O intestino delgado, incluindo o duodeno distal até a abertura do ducto biliar.
- O ceco, o apêndice, o colo ascendente e a metade a dois terços do colo transverso.
Todos esses derivados do intestino médio são supridos pela artéria mesentérica superior (Fig. 5).
O desenvolvimento do intestino médio é caracterizado pelo alongamento do intestino e seu mesentério resultando na formação de uma alça intestinal ventral com a forma de U — a alça do intestino médio, também chamada de alça intestinal primária ou alça intestinal média (Fig. 5).
O ramo cefálico desta alça dará origem a porção distal do duodeno, jejuno e em parte do íleo, e o ramo caudal dará origem à porção inferior do íleo, ceco, apêndice, cólon ascendente e os dois terços proximais do cólon transverso.
Com o aumento do tamanho do fígado e rins, a cavidade abdominal embrionária torna-se pequena para abrigar estes e todas as alças intestinais, levando-as a se projetarem para a cavidade extraembrionária, no cordão umbilical, dando origem à hérnia umbilical fisiológica (Fig. 6 A).
Enquanto está no interior do cordão umbilical, a alça intestinal média roda 90 graus no sentido anti-horário, em torno do eixo formado pela artéria mesentérica superior. Outras rotações ocorrem totalizando 270° quando se completa Fig. 6 A-D). Isso leva o ramo cranial (intestino delgado) da alça para a direita e o ramo caudal (intestino grosso) para a esquerda. Durante a rotação, o intestino médio se alonga e forma as alças intestinais (por exemplo, jejuno e íleo).
O retorno do intestino médio para o abdome, ocorre durante a 10ª semana, e acredita-se que este fato se deva a diminuição do tamanho do fígado e dos rins e o aumento da cavidade abdominal (Fig. 6-C). O intestino delgado (formado pelo ramo cranial) retorna primeiro, passando por trás da artéria mesentérica superior, e ocupa a parte central do abdome. Quando o intestino grosso retorna, ele sofre uma rotação adicional no sentido anti-horário de 180 graus. Mais tarde, ele vai ocupar o lado direito do abdome (Fig. 6-E). O colo ascendente se torna reconhecível à medida que a parede abdominal posterior cresce progressivamente.
Desenvolvimento do Ceco e Apêndice
O primórdio do ceco e do apêndice vermiforme aparece, na sexta semana, como uma dilatação no limite antimesentérico do ramo caudal da alça do intestino médio. O ápice do divertículo cecal não cresce tão rapidamente como o restante; assim, o apêndice é inicialmente um pequeno divertículo do ceco. O apêndice aumenta rapidamente em comprimento, tanto que, ao nascimento, ele é um tubo relativamente longo, surgindo da extremidade distal do ceco. Após o nascimento, a parede do ceco cresce de maneira desigual, e o resultado é que o apêndice passa a sair de sua face medial. O apêndice está sujeito a consideráveis variações em sua posição. Como o colo ascendente se alonga, o apêndice pode passar posteriormente ao ceco (apêndice retrocecal que ocorre em mais de 60% das pessoas) ou ao colo (apêndice retrocólico). Ele pode também descer sobre a borda da pelve (apêndice pélvico).
INTESTINO POSTERIOR
Os derivados do intestino posterior são:
- O terço esquerdo até metade do colo transverso; o colo descendente e o colo sigmoide; o reto e a parte superior do canal anal.
- O epitélio da bexiga urinária e a maior parte da uretra.
Todos os derivados do intestino posterior são supridos pela artéria mesentérica inferior, a artéria do intestino posterior. A junção entre o segmento do colo transverso derivado do intestino médio e aquele que se origina do intestino posterior é indicada pela mudança na circulação sangüínea de um ramo da artéria mesentérica superior (artéria do intestino médio) para um ramo da artéria mesentérica inferior (artéria do intestino posterior). O colo descendente torna-se retroperitoneal quando o seu mesentério se funde com o peritônio da parede abdominal posterior esquerda e, então, desaparece. O mesentério do colo sigmóide é mantido, porém ele é mais curto do que no embrião.
Cloaca
Esta porção terminal expandida do intestino posterior é uma câmara revestida por endoderma sendo limitada pela membrana cloacal que é constituída pelo endoderma e pelo ectoderma superficial do proctodeu, e recebe o alantóide ventralmente, que é um divertículo digitiforme.
Septação da Cloaca
A cloaca é septada em porções dorsal e ventral através de uma projeção do mesênquima — o septo urorretal. Quando o septo cresce em direção à membrana cloacal, ele desenvolve extensões bifurcadas que produzem pregas das paredes laterais da cloaca. Essas pregas crescem uma em direção a outra e se fundem formando um septo que divide a cloaca em duas partes:
- Reto e porção cranial do canal anal,
- Seio urogenital,
Na sétima semana, o septo urorretal já se fundiu com a membrana cloacal, dividindo-a em uma membrana anal dorsal e uma membrana urogenital, maior e ventral. A área de fusão do septo urorretal com a membrana cloacal é representada, no adulto, pelo corpo perineal.
O septo urorretal também divide o esfíncter cloacal em porções anterior e posterior. A porção posterior origina o esfíncter anal externo e a porção anterior se desenvolve para a formação dos músculos transverso superficial do períneo, bulbo esponjoso e isquiocavernoso. Este detalhe do desenvolvimento explica por que um nervo, o nervo pudendo, supre todos esses músculos. Proliferações mesenquimais produzem elevações do ectoderma superficial ao redor da membrana anal. Como resultado, logo essa membrana estará localizada no fundo de uma depressão ectodérmica — o proctodeu ou fosseta anal.
A membrana anal normalmente se rompe ao final da oitava semana, levando a porção final do trato digestivo (canal anal) a se comunicar com a vesícula amniótica.
O Canal Anal
Os dois terços superiores (cerca de 25 mm) do canal anal adulto são derivados do intestino posterior; o terço inferior (cerca de 13 mm) se desenvolve do proctodeu. A junção do epitélio derivado do ectoderma do proctodeu com o epitélio derivado do endoderma do intestino posterior é indicada, grosseiramente, pela linha pectinada, localizada no limite inferior das válvulas anais.
Essa linha indica aproximadamente o local primitivo da membrana anal. Cerca de 2 cm acima do ânus está a linha anocutânea (“linha branca”). Este é aproximadamente o local onde os epitélios mudam de tipo, de um epitélio cilíndrico simples para um epitélio pavimentoso estratificado.
No ânus, o epitélio é queratinizado e em continuidade com a epiderme que o rodeia. As outras camadas da parede do canal anal são derivadas do mesênquima esplâncnico.
Semelhante ao esfíncter pilórico e à válvula (esfíncter) ileocecal, a formação do esfíncter anal parece estar sob o controle genético de Hox D.
Os dois terços superiores do canal anal, devido à sua origem do intestino posterior, são supridos principalmente pela artéria retal superior, uma continuação da artéria mesentérica inferior (artéria do intestino posterior). A drenagem venosa dessa porção superior é feita principalmente pela veia retal superior, uma tributária da veia mesentérica inferior. A drenagem linfática da porção superior é feita por fim para os linfonodos mesentéricos inferiores. Seus nervos são do sistema nervoso autônomo.
Em razão de sua origem do proctodeu, o terço inferior do canal anal é suprido principalmente pelas artérias retais inferiores, ramos da artéria pudenda interna. A drenagem venosa é feita através da veia retal inferior, uma tributária da veia pudenda interna, que se escoa para a veia ilíaca interna. A drenagem linfática da porção inferior do canal anal é feita para os linfonodos inguinais superficiais. Seu suprimento nervoso é através do nervo retal inferior, que é sensível à dor, à temperatura, ao toque e à pressão.
Mesentérios
São camadas duplas de peritônio que cercam alguns órgãos e os conectam à parede corporal, sendo estes órgãos chamados de intraperitoneais. Já os órgãos que se encontram contra a parede posterior e são cobertos pelo peritônio apenas em sua superfície anterior são considerados retroperitoneais. Os ligamentos peritoneais são mesentérios que passam de um órgão para o outro e/ou de um órgão para a parede corporal. Tanto os mesentérios quanto os ligamentos são meios de passagem para nervos, vasos sanguíneos e linfáticos que entram e saem das vísceras.
No início do seu desenvolvimento, o intestino primitivo possui um amplo contato com o mesênquima da parede abdominal posterior. Entretanto, na quinta semana, a ponte de tecido conjuntivo se estreita, e a porção caudal do intestino anterior, o intestino médio e a maior parte do intestino posterior tornam-se suspensas na parede abdominal pelo mesentério dorsal, que se estende da extremidade inferior do esôfago até a região cloacal do intestino posterior. Na região do estômago, ele forma o mesogástrico dorsal ou grande omento; na região do duodeno, ele forma o mesoduodeno; e na região do cólon, ele forma o mesocólon dorsal. O mesentério dorsal das alças do jejuno e do íleo forma o mesentério propriamente dito.
O mesentério ventral, que existe apenas na região terminal do esôfago e na porção superior do duodeno, é derivado do septo transverso. O crescimento do fígado no mesênquima do septo transverso divide o mesentério dorsal em omento menor, que se estende da porção inferior do esôfago, do estômago e da porção superior do duodeno até o fígado, e em ligamento falciforme, que se estende do fígado até a parede corporal ventral.
BIBLIOGRAFIA:
Moore KL, Persaud TVN, Torchia, MG. Embriologia clínica. 9a ed. Rio de Janeiro (RJ): Elsevier; 2012.
Sadler, TW. Langman – Embriologia Médica, 13ª ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016.